A Emenda Constitucional nº45/2004 e suas tormentosas consequências processuais em relação aos casos de representação sindical, recentemente encaminhados ao conhecimento do TST por ordem do STJ

*Por Renato Lôbo Guimarães, advogado e sócio-fundador do Caldeira, Lôbo e Ottoni Advogados Associados; e Heloisa Mendonça, advogada em Brasília

Renato Lôbo Guimarães, advogado e sócio-fundador do Caldeira, Lôbo e Ottoni Advogados Associados

Além dos naturais percalços decorrentes da mudança de sede — sobretudo no que guarda à pronta necessidade de adaptação de seus servidores às novas instalações físicas —, os Membros do tribunal superior do trabalho deverão enfrentar complexas questões de ordem processual geradas pela Emenda Constitucional nº 45/2004, que ampliou a competência material da Justiça do Trabalho.

Pretendemos, nestas poucas linhas, abordar aquela que nos traz maior preocupação, porquanto, de modo casuístico, redundará em absurda delegação, ao tst, da missão alheia de velar pela uniformização da Jurisprudência dos Tribunais Estaduais, além da disparatada transmissão, àquela Corte Trabalhista, do ofício de garantir a unidade e integridade de interpretação da Legislação Federal, atribuído constitucionalmente ao superior tribunal de justiça.

Explica—se. Lastreados na orientação emanada da 1ª Seção no julgamento da questão de ordem no recurso especial nº 727.196/SP, suscitada pelo eminente Ministro josé delgado com arrimo na aludida inovação constitucional, os Julgadores integrantes do stj vem pronunciando, monocraticamente, a sua absoluta incompetência para o processamento e julgamento dos processos concernentes à “representação sindical, entre sindicatos e trabalhadores, e entre empregados e empregadores”, bem como ordenando a imediata remessa dos respectivos autos ao tst, “qualquer que seja a fase em que se encontrem”.

Justificando a urgência de tal providência, argumentam suas Excelências que, conforme dispõe o art. 87, do Estatuto Processual, os preceitos normativos relativos à competência possuem aplicação imediata.

Outros, porém em menor número (), sustentam que solução análoga foi conferida pelo supremo tribunal federal aos casos de homologação de sentenças estrangeiras, cuja competência, outrora confiada àquela Alta Corte, restou atribuída, por força da mesma EC nº 45/2004, ao stj.

Em que pese a inegável autoridade de tais entendimentos e o brilhantismo de seus prolatores, ousamos, com o respeito devido, deles dissentir, advogando, na oportunidade, a necessidade de manutenção da competência do stj para o processamento e julgamento daqueles casos, observadas as circunstâncias adiante explicitadas, sob pena de se criarem intransponíveis entraves de natureza constitucional—processual.

Ao contrário do que possa parecer, a manutenção da jurisdição do stj sobre tais demandas não importa negativa à tese de aplicação imediata das disposições contidas na invocada EC nº 45/2004.

Consoante já se posicionou o stf, os preceitos constitucionais possuem aplicabilidade imediata, principalmente aqueles disciplinadores das competências dos Órgãos Judiciários.

Entretanto, tal aplicação imediata encontra restrição em precedentes originários do próprio Pretório Excelso (), especificamente nas, aqui defendidas, hipóteses em que já foi proferida sentença de mérito, de tal sorte a preservar a competência das instâncias recursais, rejeitando—se, pois, a sua eficácia retroativa.

Colhe—se tal notícia de recente articulado elaborado, em Co—Autoria com o Juiz Federal João Carlos Costa Mayer soares, pelo ilustre Juiz do Trabalho Douglas Alencar Rodrigues, notório membro do conselho nacional de justiça, publicado no Suplemento Direito & Justiça de 18.07.2005, do Correio Braziliense, intitulado as novas competências da justiça do trabalho.

Nesta linha, encontrando—se as indigitadas causas em grau de recurso especial e, portanto, já havendo sido prolatada, na maior parte delas, sentença meritória, “sob o prisma da melhor política judiciária, mostra—se recomendável preservar a integral tramitação do feito nos ramos judiciais que já deram início ao julgamento do conflito” (), não se justificando, d.m.v., as providências adotadas pelo stj.

A prevalecer o entendimento ora combatido, estar—se—á delegando, indevidamente, ao tribunal superior do trabalho, como dito, a tarefa alheia de uniformizar a jurisprudência dos Tribunais Estaduais que, de modo dissonante, vêm se pronunciando sob as lides atinentes à representação sindical.

Ora, como poderá o tst perquirir a existência dos pressupostos recursais atinentes ao recurso especial, quando apenas o stj possui competência constitucional para fazê—lo? O recurso especial transmudar—se—á em recurso de revista, de tal modo a viabilizar a análise de seus pressupostos por parte daquela Alta Corte Trabalhista?

Será, pois, possível, em sede extraordinária, proceder—se à adaptação das respectivas peças jurídicas de interposição, sem que, para tanto, haja necessidade de revolvimento dos aspectos fático—probatórios da causa, relegados, segundo a ordem constitucional, ao conhecimento das instâncias ordinárias?
Acreditamos que não!

Concessa venia, os precedentes envolvendo a homologação de sentenças estrangeiras, cuja competência originária para o respectivo processamento e julgamento era, antes da vigência da EC nº 45/2004, do stf, não servem, ao nosso sentir, para viabilizar a imediata remessa dos autos ao tst, ao contrário do entendimento propugnado por alguns Membros do stj.

Diferentemente do que ocorre na modificação da competência recursal — que carece de sensível adequação das normas previstas no Estatuto Processual e, quando se trata de Tribunais Superiores, dos respectivos preceitos constitucionais —, nos casos relativos à alteração da competência originária dos Órgãos Judiciários, afigura—se bastante, para sua imediata implantação e em certas hipóteses, a mera adaptação regimental.

Tanto é assim que o próprio stj, antes da edição, por sua Presidência, da resolução nº 9, de 4 de maio de 2005, dispondo, “em caráter transitório, sobre competência acrescida ao Superior Tribunal de Justiça pela Emenda Constitucional nº 45/2004”, adotou, temporariamente, as disposições regimentais do Pretório Excelso (resolução nº 22, de 31.12.2004), sem quaisquer violações ao direito adquirido sob a órbita processual das partes, os quais, segundo Galeno Lacerda (), são “aqueles originários de fatos jurídicos processuais, o que encontra amparo no art. 158 do atual CPC”.

Admitindo—se a eficácia retroativa das disposições contidas na EC nº 45/2004, não prevista de forma expressa pela inovação constitucional, estar—se—á cometendo, com o devido acatamento, afronta ao direito adquirido processual dos Recorrentes, no sentido de que os pressupostos do recurso especial e seu mérito sejam examinados de acordo com as normas legais/processuais e constitucionais vigentes.

Neste diapasão, reitere—se, como poderia o tribunal superior do trabalho substituir—se ao superior tribunal de justiça na averiguação dos referidos pressupostos, quando somente este possui atribuição constitucional para fazê—lo?

Qual a razão para o recebimento e análise, por parte do tst, do recurso especial como se recurso de revista fosse, quando as suas hipóteses de cabimento são diversas, importando destacar que, em matéria trabalhista, aquela Corte possui competência para julgamento de ofensas à norma constitucional?

A salvaguarda ao direito adquirido processual das partes restou recentemente pronunciada pelo stj, em julgado da lavra do Ministro Teori Albino Zavascki (), cujo trecho abaixo transcreve—se, verbis:

“O direito intertemporal, em matéria de processo, está submetido à regra básica, segundo a qual a lei nova tem aplicação imediata, alcançando os processos em curso, mas sem prejudicar direitos processuais já adquiridos. É regra que se aplica, não apenas em relação aos recursos, mas tem relação a direito originário de qualquer outro ato processual, inclusive, portanto, ao que decorre, para a Fazenda Pública, do reexame obrigatório da sentenças (CPC, art, 475)” (grifos nossos)

Mutatis mutantis, é de se constatar que, apesar de solução diversa conferida aos casos envolvendo representação sindical, a citada jurisprudência do stj não discrepa da ora invocada orientação emanada do stf, assim como do já mencionado posicionamento externado pelo Juiz Douglas Alencar Rodrigues.

Todavia, para a nossa surpresa, mesmo após a posterior adoção, pela 2ª Seção do stj, do entendimento de que “A norma constitucional tem aplicação imediata. Porém, ‘a alteração superveniente da competência, ainda que ditada por norma constitucional, não afeta a validade da sentença anteriormente proferida. Válida a sentença anterior à eliminação da competência que a prolatou, subsiste a competência recursal do tribunal respectivo’…“ (), as decisões declinatórias de foro exaradas nos casos em comento têm sido mantidas, em sede de agravo regimental, pelos Colegiados (turmas), não se tendo notícia, até o presente momento, de qualquer medida adotada pelos respectivos Integrantes quanto à necessidade de submetê—las ao seu mais alto Órgão Jurisdicional (corte especial).

Nos resta, de tal modo, apenas aguardar o recebimento de tais questões por parte do tst que, segundo consta, ainda não possui opinião formada sobre o tema, podendo, além de submeter a sua respectiva definição ao stf, através da arguição de conflito de competência (art. 102, I, “o”, da CF), acompanhar a sorte do recurso extraordinário recentemente admitido pela Presidência do stj (), para, só então, firmar o seu posicionamento.

Que sirva, entretanto, de paradigma para as futuras decisões as lições que magistralmente nos brinda o Conselheiro Douglas Alencar Rodrigues, na linha de que “a vinculação dos processos ao juízo originariamente competente é a solução que, arrimada em precedentes jurisprudenciais do Supremo Tribunal Federal, melhor atende aos princípios gerais que informam o Direito Processual — político, lógico, econômico e jurídico —, possibilitando a obtenção dos resultados mais coerentes e harmônicos com o ideal de amplo acesso à jurisdição”.

*Artigo publicado na Revista IOB Trabalhista e Previdenciária, n. 204/06, junho/2006, pp. 81 — 85.

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