*Por Renato Lôbo Guimarães, advogado e sócio-fundador do Caldeira, Lôbo e Ottoni Advogados Associados
Há quem entenda que os embargos de declaração prestam-se, tão somente, à declaração ou interpretação da sentença, cujo dispositivo não pode, por via deles, ser alterado, rejeitando, destarte, a possibilidade de serem recebidos em seu efeito infringente ou modificativo.
Segundo joão monteiro (1), só é lícito ao juiz “declarar a sentença já proferida, não podendo, portanto, modificar em ponto algum a mesma sentença. A decisão sobre tais embargos está para a sentença declarada na mesma relação em que, para a lei interpretada, está a lei interpretativa: assim como esta faz parte integrante daquela, de modo que uma e outra são a mesma lei, assim também a sentença declarativa e a declarada se integram em uma mesma sentença”.
Todavia, tal raciocínio aplica-se apenas à operação de afastamento do vício de obscuridade, na qual a tarefa do julgador, quando provocado, restringe-se em esclarecer os conceitos obscuros e ambíguos, sanar os erros de concordância, de modo a facilitar a compreensão do decisum prolatado.
De outro lado, verificando a presença dos vícios de contradição e omissão, deverá o magistrado, muita das vezes, reabrir o julgamento.
Na tentativa de harmonizar eventuais proposições contrastantes, poderá optar pela exclusão daquela que lhe parecer inadequada. Poderá, outrossim, afastar duas ou mais proposições contraditórias, agregando à decisão uma nova proposição. Tanto em um como noutro caso, há possibilidade de ocorrer uma inovação que importará, sem sombra de dúvidas, modificação da decisão.
Denunciada e afastada a omissão, conforme preleciona moniz de aragão (2), “necessariamente o julgamento será reaberto, a fim de o juiz preencher o claro nele existente. Em muitos casos a omissão é suprida facilmente, com a inserção do pronunciamento que faltava (p.ex.: condenação ao pagamento dos honorários de advogado, que fora omitida). Em outros, porém, a correção da falha repercute sobre o julgamento de outra questão e o juiz terá de modificar algum ponto da sentença, afetado direta ou reflexamente pelo acréscimo da manifestação que nela faltava”.
Verifica-se, portanto, ser inegável que os embargos de declaração, em alguns casos, terão, necessariamente, a força e o efeito de modificar o julgamento, sob pena de ser impossível declará-lo.
Outro não poderia ser o entendimento, haja vista que o próprio Estatuto Processual ao prever, em seu artigo 463, inciso II, a possibilidade do juiz “alterar” o julgado por intermédio dos embargos de declaração, sufraga a tese ora sustentada, eis que o vocábulo “alterar” nada mais quer dizer do que mudar, modificar, transformar (3).
Observa-se, em nossa jurisprudência (4), que não mais subsiste qualquer discussão acerca do tema.
Em julgamento proferido pelo supremo tribunal federal nos autos do Recurso Extraordinário nº 59.040 (5), ficou assentado que “embora os embargos declaratórios não se destinem normalmente a modificar o julgado, constituem um recurso que visa a corrigir obscuridade, omissão ou contradição anterior. A correção há de ser feita para tornar claro o que estava obscuro, para preencher uma lacuna do julgado, ou para tornar coerente o que ficou contraditório. No caso, a decisão só ficará coerente se houver a alteração do dispositivo, a fim de que este se conforme com a fundamentação. Temos admitido que os embargos declaratórios, embora, em princípio, não tenham efeito modificativo, podem, contudo, em caso de erro material ou em circunstâncias excepcionais, ser acolhidos para alterar o resultado anteriormente proclamado”.
Admite, ainda, o Pretório Excelso a possibilidade de ser conferido efeito modificativo ou infringente aos declaratórios nos casos em que não cabe outro recurso, bem como nos de erro de fato (6).
Também o Colendo tribunal superior eleitoral (7), atento às conquistas processuais, há muito tempo acatou, em suas decisões, a proposição ora defendida, desde que configuradas as hipóteses admissíveis.
No âmbito da Justiça do Trabalho, restou editado pelo Egrégio tribunal superior do trabalho o enunciado de súmula nº 278, que ampara esse entendimento.
Contudo, verifica-se que os Tribunais têm relutado em atribuir o indigitado efeito aos embargaos de declaração, só o fazendo excepcionalmente, prestigiando, por conseguinte, o entendimento restrito.
Em contraposição a esta postura, contundentes são as palavras do mestre seabra fagundes (8), para quem deve o magistrado, quando possível, afastar-se do formalismo exacerbado a que estão acometidos certos diplomas legais, ampliando sua compreensão, expediente esse essencial à evolução lenta e conveniente do direito.
Ademais, imprimindo força modificativa ou infringente aos declaratórios, estarão os julgadores demonstrando não ter acanhamento em reconhecer eventuais equívocos presentes em seus decisórios, aplicando-se, para o caso, os ensinamentos do eminente Ministro washington bolívar (9), no sentido de que “não deve o juiz ter pejo de confessar que errou, em qualquer circunstância e, muito especialmente, quando ainda há tempo de corrigir-se e corrigir. Pois aquele que reconhece o seu erro demonstra que é mais sábio hoje, quando o corrige, do que ontem, quando o praticou”.
Lembramos, por fim, que o processo civil é instrumento de realização dos direitos substanciais, não podendo o magistrado negar a realidade do erro evidente, em prejuízo da verdade e da justiça!
(1) Citado por Sonia Márcia Hase de Almeida Baptista, Dos Embargos de Declaração, p. 142.
(2) In RT-633 – julho de 1988, p. 19.
(3) Aurélio Buarque de Holanda FERREIRA, Novo Dicionário da Língua Portuguesa, p. 92.
(4) RTJ 40/44, 57/145, 65/869, 63/424, 86/259, 88/325, 89/548, 40/772, 65/170, 88/325, 90/353, 73/795, 70/561, 82/437, 464/263/, 431/244, 600/238, RT 565/173-174, RT 569/172, RJTJRS 69/136, etc.
(5) In RTJ 40/44.
(6) RE nº 87.092, Rel Min. Soares Munões, in RTJ 94/1.167; v. RTJ 94/1.168.
(7) Ac. n. 9.103, de 23.08.1988, Rec. n. 6.909, RJ, Rel. Min. Francisco Rezek, in BE 448/1.085; Ac. n. 13.035, Rec. n. 10.924-MG, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, in JTSE 2/94/217; Ac. n. 13.071, Rec. n. 10.831-PA, Rel. Min. Torquato Jardim, in JTSE 2/94/247.
(8) M. Seabra FAGUNDES, Contribuição da jurisprudência à evolução do direito brasileiro, in Revista Forense, CXXVI v. p.34.
(9) In Revista do Tribunal Federal de Recursos Nº 119, p. 318-323.
*Artigo publicado em 16/set/2002, no suplemento Direito & Justiça, do Correio Brasilienze; no Portal Jurídico Jus Navigandi, n. 60, nov. 2002 e na Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, v. 4, n. 20, nov-dez 2002, p. 14-16.