O compromisso de cessação de prática e sua plena utilização pelo Sistema Brasileiro da Concorrência

*Por Marcos Vinicius Ottoni, sócio-fundador do Caldeira, Lôbo e Ottoni e coordenador-geral Jurídico da CNSaúde

Marcos Vinicius Ottoni, sócio-fundador do Caldeira, Lôbo e Ottoni e coordenador-geral Jurídico da CNSaúde

Por refletir o espírito neoliberal insculpido em nossa Carta Política, a Lei nº 8.884/94, também conhecida como Lei Antitruste, funda-se na repressão ao abuso do poder econômico, nos princípios constitucionais da livre iniciativa, atuação subsidiária do Estado na atividade econômica e da livre concorrência, sendo a coletividade a titular dos bens jurídicos protegidos pela lei. Ao abordar o controle de práticas potencialmente prejudiciais à concorrência, a indigitada Lei consolida o entendimento de que a prevenção é mais eficaz do que a repressão na defesa dos mercados e do consumidor. Ademais, ao revigorar o instituto denominado Compromisso de Cessação de Prática – CCP, o legislador prestigiou o pronto restabelecimento dos mercados em caso de irregularidades concorrenciais.

Como forma de incentivar o representado a cessar voluntariamente a conduta tida por irregular, o Compromisso não importará confissão quanto à matéria de fato, nem reconhecimento da ilicitude do ato praticado. Também é assegurada a suspensão do processo durante o cumprimento do acordo, com o posterior arquivamento do mesmo ao término do prazo fixado, sem julgamento de mérito e sem aplicação de qualquer penalidade.

A celebração do Compromisso pode dar-se tanto perante a Secretaria de Direito Econômico – SDE quanto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, independente da fase em que o processo administrativo se encontre.

Assim, para as empresas envolvidas, o CCP proporciona inúmeras vantagens, como a de não ter de empenhar seu tempo de atividade empresarial em processos de desfecho incerto e, acima de tudo, de longa duração, com graves conseqüências para sua reputação. Ademais, é considerado economicamente mais vantajoso não alimentar uma situação de dúvida acerca da lisura de determinada conduta no mercado.

Sob o ponto de vista da Administração, o Compromisso tem como objetivo por fim imediato à prática de atos que supostamente estejam em conflito com a ordem econômica, o que evitaria perda de tempo e recursos públicos na investigação, podendo o sistema antitruste se concentrar em processos mais complexos. Para a sociedade em geral, tal celebração é bastante importante, uma vez que restaura imediatamente o funcionamento regular do mercado.

Não obstante todas as vantagens apresentadas, no Brasil, desde a edição da Lei Antitruste, onze anos atrás, apenas 5 Compromissos de Cessação de Prática foram celebrados, sendo que os últimos acordos remontam ao ano de 2000!!

Tal situação decorre, em grande parte, da reticência do CADE e da SDE em firmar o indigitado Compromisso, ao argumento de que sua celebração não se constitui em direito subjetivo da parte, apesar do Poder Judiciário já ter se manifestado em sentido diametralmente oposto, desde que observadas as restrições contidas no próprio artigo 53, da Lei 8.884/94.

A pouca utilização do referido instituto, no Brasil, se contrapõe à prática adotada, por exemplo, pelos Estados Unidos da América, onde cerca de 90% dos casos envolvendo supostas infrações ao direito concorrencial são encerrados por meio de acordo.

Na prática, caso o Federal Trade Commission – ftc, órgão antitruste norte americano, acredite que uma pessoa ou companhia esteja violando a legislação concorrencial, a agência tentará, primordialmente, obter o consentimento voluntário para a cessação da prática questionada. Diante da recusa, o procedimento administrativo é instaurado, sendo que antes do julgamento final nova tentativa de acordo é apresentada. Em caso de aceitação, a minuta da proposta é submetida à apreciação judicial, de forma a assegurar o interesse público.

Verifica-se, destarte, que o restabelecimento da normalidade do mercado o mais rápido possível configura forma de utilização racional do órgão antitruste, que não despende tempo nem recursos procurando identificar e punir culpados, em detrimento dos consumidores e do funcionamento normal do mercado.

Esta postura também deve ser adotada pelo Sistema Brasileiro de Concorrência, que já dispõe de instrumento legal para tanto, devendo apenas colocar em prática o contido na Lei nº 8.884/94, em seu artigo 53.

Atualmente, tramita perante a Casa Civil da Presidência da República o projeto de lei que trata da modernização da Lei Antitruste. É de suma importância que o Compromisso de Cessação de Prática seja mantido em sua essência e que sua aplicabilidade seja fomentada, uma vez que, nas palavras de João Bosco Leopoldino e Fábio Ulhoa Coelho, “os interesses econômicos da sociedade, em cuja seara viceja o pragmatismo das soluções e resultados, se sobrepõem ao formalismo dos atos e preponderam sobre a pretensão punitiva do Estado.”

*Artigo publicado, em 27/jul/2005, no Jornal Valor Econômico, Seção Legislação & Tributos.