*Por Renato Lôbo Guimarães, advogado e sócio-fundador do Caldeira, Lôbo e Ottoni Advogados Associados
O vocábulo embargo (no singular), em sua acepção comum, (1) significa estorvo, impedimento, obstáculo, embaraço, empecilho. Esse sentido é empregado no processo de nunciação de obra nova, previsto nos artigos 935, 936, I, 937 e 938, do Código de Processo Civil, cuja finalidade específica é “impedir”, consoante resta claro através do exame dos incisos do artigo 934, do referido diploma legal.
No plural, o substantivo embargos adquire conotação peculiar, sem, no entanto, fugir à sua própria acepção de embargo, eis que também estes – os embargos – tendem, igualmente, a “impedir”, como se dá nos que são opostos à execução da sentença (art. 738, do C.P.C.). À luz deste significado, os praxistas tinham como certo não serem os embargos meios de “pedir”, mas de “impedir”.
À margem dessa finalidade (“impedir”), o vocábulo, igualmente no plural, define um dos recursos previstos no Estatuto Processual, quais sejam: embargos infringentes (art. 530) e embargos de declaração (art. 535).
Muito se discute, em doutrina, acerca da natureza jurídica dos embargos de declaração.
A primeira corrente doutrinária, à qual aderem juristas do escol de Machado Guimarães, (2) propugna que a operação realizada pelo juiz, ao constatar a presença de vícios no julgado (obscuridade, contradição e omissão), é, tão-somente, interpretar ou complementar a sentença ou acórdão, eis que os mesmos estão contidos em sua fórmula.
Para o citado jurista, “deve-se distinguir, na sentença judicial, como em qualquer exteriorização do pensamento, o conceito – que é aquilo que o espírito do juiz concebeu – da fórmula que é a expressão material desse conceito. Pode acontecer, e muitas vezes acontece, que haja desarmonia entre o conceito e a fórmula da sentença, isto é, que não coincida o que disse o juiz com o que pretendeu ele dizer. Surge, então, o problema: deve preponderar a fórmula, ainda que inexata, ou a intenção do juiz, ainda que defeituosamente expressa?… Ora, no campo do Direito Processual, prevê a lei, expressamente, os casos em que o conceito da sentença deve prevalecer sobre a fórmula”.
Assevera, ainda, que “em tais casos, é lícito ao juiz ou ao tribunal interpretar a sentença, corrigindo-a, declarando-a, integrando-a, ou eliminando a contradição, em ordem a restabelecer a sua verdadeira intenção. Assim, pois, é verdadeiro o tradicional princípio, segundo o qual não pode a sentença ser modificada no julgamento dos embargos declaração. Mas, entenda-se, o que se não modifica é o conceito da sentença; a sua fórmula há que ser modificada, no julgamento dos ditos embargos”.
Verifica-se, pois, que, para esta corrente, o objetivo dos embargos é, tão-apenas, aperfeiçoar a forma através da qual a vontade do magistrado se exteriorizou, permanecendo imutável quanto ao seu conteúdo, não possuindo, por conseguinte, natureza recursal.
A segunda vertente, a qual podemos qualificar de intermediária, assevera que os embargos de declaração não são tecnicamente um recurso, mas só formalmente, possuindo caráter meramente elucidativo.
Para a terceira corrente, os embargos de declaração possuem natureza recursal, eis que se destinam a reparar o prejuízo ou gravame trazido ao embargante pela sentença ou acórdão defeituoso.
Em nosso sentir, com o devido respeito a todos que se filiam às demais correntes, assiste razão aos partidários desta última vertente, porquanto (a) a própria lei contempla os embargos de declaração no capítulo atinente aos recursos, adotando o princípio da taxatividade; (b) são exercitáveis na mesma relação jurídica processual em que foi proferida a decisão recorrida, sem que se instaure um novo processo, sendo isso uma característica inerente aos recursos; (c) obstam a formação da coisa julgada, sendo este o principal predicado dos recursos; (d) possibilitam a reforma da decisão, ao serem admitidos em seu efeito modificativo, quando, v.g., o preenchimento de omissão implique, necessariamente, em alteração do dispositivo.
Não obstante a solidez de tais argumentos, muitos magistrados negam-se a atribuir, em casos excepcionais como o acima descrito, efeitos infringentes aos embargos de declaração, fazendo-o com arrimo nas conclusões exaradas pela doutrina restritiva.
Data maxima venia, pensamos que, uma vez dirimidas as dúvidas quanto à inegável natureza recursal dos embargos, muito se contribuirá para efetivação de uma prestação jurisdicional célere e efetiva, porquanto poderá ser evitada, em situações extraordinárias, a interposição do recurso de apelação, de tramitação incomparavelmente mais demorada e custosa.
(1) Aurélio Buarque de Holanda FERREIRA, Novo Dicionário da Língua Portuguesa, p. 630.
(2) Citado por Sonia Márcia Hase de Almeida BAPTISTA, Dos Embargos de Declaração, Ed. Revista dos Tribunais, p. 63.
*Artigo publicado em 2004, no CD—Rom “Doutrina Jurídica Brasileira”. Caxias do Sul : Editora Plenum.