*Por Renato Lôbo Guimarães, advogado e sócio-fundador do Caldeira, Lôbo e Ottoni Advogados Associados; e Danielle Ferreira Glielmo, sócia ddo Caldeira, Lôbo e Ottoni Advogados Associados
Em histórico julgamento realizado no último dia 20/02/2013, o Plenário do Supremo Tribunal Federal finalmente decidiu a quem compete processar e julgar as pretensões deduzidas em face das Entidades Fechadas de Previdência Complementar, vulgarmente conhecidas como Fundos de Pensão: à Justiça Comum!
A deliberação do Supremo, no entanto, iniciou-se em 03/03/2010, quando, após o voto prolatado pela Relatora, Ministra Ellen Gracie, no sentido de fixar a competência material da Justiça Comum – no que foi acompanhada pelo Ministro Dias Toffoli – e a divergência inaugurada pelo Ministro Cezar Peluso – com adesão da Ministra Cármen Lúcia -, pediu vista o seu atual Presidente, Ministro Joaquim Barbosa.
Segundo notícia veiculada, em 25/02/2013, pelo site do Tribunal Superior do Trabalho na internet, 6.600 RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS sobre o tema se encontravam sobrestados na esfera de sua Vice-Presidência, aguardando a definição final por parte da Suprema Corte.
Retomado o julgamento na data acima indicada, o Presidente do STF entendeu por acompanhar o posicionamento do já aposentado Ministro Cezar Peluso, preconizando a impossibilidade de “… segregar o contrato de previdência privada complementar das relações de direito de trabalho eventualmente existentes entre o indivíduo e o patrocinador, com repercussão no que tange à fixação da Justiça Comum como a competente para o julgamento dos conflitos decorrentes desse tipo de ajustes”, e, portanto, refutando “… a tese de que o artigo 202, parágrafo 2º, poderia amparar a conclusão de que a Justiça do Trabalho não seria mais competente para decidir as ações que envolvem o pleito de complementação da aposentadoria”.
Concedida a palavra ao Ministro Dias Toffoli, o mesmo ratificou os termos do voto proferido há quase 3 anos, chancelando, com base na Emenda Constitucional n.º 20/1998, a qual conferiu nova redação ao parágrafo 2º do artigo 202 da Constituição Federal, que “as contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas nos estatutos e regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes”.
Ressaltou Sua Excelência, ainda, o caráter pragmático da solução alvitrada pela também aposentada Ministra Ellen Gracie, logrando a adesão integral dos Ministros Luiz Fux, Gilmar Mendes e Celso de Mello.
Muito embora adotando fundamento diverso, o Ministro Marco Aurélio houve por bem dar provimento ao recurso manejado pela Fundação Petrobras de Seguridade Social – PETROS.
Quando à deliberação de mérito, não participaram os Ministros Teori Zavascki e Rosa Weber, por sucederem, respectivamente, os Ministros Cezar Peluso e Ellen Gracie, além de Ricardo Lewandowski, por ausência justificada.
Ao contrário do que sustentam algumas vozes, não houve uma reviravolta na jurisprudência da Corte Suprema que, supostamente, se orientaria no sentido de privilegiar a competência material da Justiça do Trabalho.
Como demonstrado no bojo de RECURSO EXTRAORDINÁRIO N.º 586453-SE, havia dissenso entre os Órgãos Fracionários do STF quanto ao tema, sendo que, não obstante a similitude entre os diversos casos submetidos à sua apreciação, ora se posicionavam em favor de um ou de outro foro, o mesmo se podendo dizer em relação aos seus nobres integrantes.
Na linha da fixação da competência da Justiça Comum, mencionou-se as decisões proferidas nos autos dos RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS N.ºs 583854-RJ e 599694-BA, ambos da Relatoria do Ministro Eros Grau, divulgados no DJE de 26 de maio de 2008 e 29 de junho de 2009, publicados em 27 de maio de 2008 e 30 de junho de 2009.(1)
Dentre outras, fez-se referência, outrossim, às decisões proferidas pelos Ministros Gilmar Mendes (AI N.º 556099-MG – DJ de 01/12/2006), Ricardo Lewandowski (AGRAVO REGIMENTAL EM AI N.º 657035-PR – DJE de 04/08/2008)(2), Ellen Gracie (AI N.º 661383-BA – DJE de 07/11/2008)(3), e pelo próprio Ministro Cezar Peluso (AI N.º 441426-RS – DJ de 06/06/2006).
Na esteira do histórico julgado em comento, dotado de REPERCUSSÃO GERAL – e, portanto, sujeito à imediata observância! -, deverão ser remetidos à Justiça Comum as demandas originariamente ajuizadas perante a Justiça do Trabalho e que, até o dia 20/02/2013, ainda não contem com sentenças de mérito.
Com a paradigmática decisão, restou prestigiada a Emenda Constitucional n.º 20, que concedeu autonomia ao Regime de Previdência Privada, delegando, por sua vez, à Lei Complementar n.º 109/2001 a sua respectiva regulamentação.
Tal autonomia, a propósito, pode ser evidenciada através da análise das seguintes regras:
- FACULTATIVIDADE DE ADESÃO DO PARTICIPANTE: O contrato de previdência privada é sempre facultativo, não decorrendo direta e automaticamente do contrato de trabalho. Há liberdade das partes para contratar ou não um Plano de Benefícios. Esta facultatividade decorre, inclusive, do mandamento do caput do art. 202, da Constituição Federal, no sentido de que “o regime de previdência privada (…) será facultativo”;
- POSSIBILIDADE DE MANUTENÇÃO DO CONTRATO PREVIDENCIÁRIO NA HIPÓTESE DE ROMPIMENTO DO CONTRATO DE TRABALHO: Mesmo que o participante deixe de manter sua relação de trabalho com a patrocinadora do Plano de Benefícios, poderá manter-se filiado ao mesmo, nos termos do art. 14, I e IV, da Lei Complementar n.º 109, de 2001, regulamentado pela Resolução n.º 6, de 30 de outubro de 2006, do Conselho de Gestão da Previdência Complementar – CGPC, no qual estão previstos os institutos do AUTOPATROCÍNIO e do BENEFÍCIO PROPORCIONAL DIFERIDO;
- POSSIBILIDADE DE RETIRADA DO PATROCÍNIO: Também para o patrocinador ou instituidor há liberdade de contratar, eis que, além de poder decidir se instituirá ou não um Plano de Previdência complementar para seus empregados, poderá retirar o seu respectivo patrocínio, nos termos do art. 25, da Lei Complementar n.º 109, de 2001; Indaga-se: Se houver o rompimento do contrato de trabalho e o ex-empregado resolver manter-se no Plano Previdenciário, qual será a relação entre o contrato de trabalho e o de previdência complementar? E, de outro turno, se o patrocinador ou instituidor retira o seu patrocínio do Plano de Previdência privada, há alguma alteração na relação de emprego que mantém com o participante (empregado) ou na que manteve como o assistido (aposentado)? Certamente que não;
- PORTABILIDADE: Pode o participante circular de um Plano de Benefícios para outro gerido por diversa Entidade Fechada ou Aberta de Previdência Privada, utilizando-se, para tanto, da PORTABILIDADE para transferir o seu direito acumulado. Isto está expressamente previsto nos art. 14, inciso II e art. 15, da Lei Complementar n.º 109/2001;
- OS PENSIONAMENTOS: Com o falecimento do beneficiário, sua esposa ou companheira irá receber pensão equivalente ao percebido pelo seu marido.
Indaga-se: Qual o vínculo que a pensionista tem com o antigo contrato de trabalho que mantinha seu falecido marido?
Em termos práticos, e conforme acentuado pelo Ministro Dias Toffoli na ocasião da assentada, não mais se conviverá com a inusitada e indesejável situação de duas Cortes Superiores, o STJ e o TST, pronunciando-se a respeito da interpretação e uniformização da jurisprudência relacionada à aplicação da referida Lei Complementar, fato este que, inegavelmente, milita em favor da segurança jurídica e dos próprios participantes dos Planos de Previdência Privada.
Não se trata, portanto e como defendem alguns, de esvaziar a competência da Justiça Especializada do Trabalho, porém de restabelecer a autoridade do mandamento contido nos artigo 202, § 2º, da Constituição Federal, em prol de todo o Sistema da Previdência Complementar no Brasil.
(1) “Trata-se de recurso extraordinário em que se discute a competência para julgamento de ação de complementação de aposentadoria contra a Fundação Petrobrás de Seguridade Social — PETROS envolvendo empregados de uma das subsidiárias da Petrobrás, no caso a Ultrafértil S/A.
O Tribunal Superior do Trabalho não conheceu do Recurso de Revista por ausência de prequestionamento explícito dos preceitos constitucionais impugnados no acórdão regional.
A recorrente alega violação do disposto nos artigos 7º, XXIX, 114 e 202, § 2º, da Constituição do Brasil.
Este Tribunal fixou entendimento no sentido de que se a relação jurídica de natureza previdenciária é oriunda de contrato celebrado entre o autor e a entidade privada, a competência é da Justiça Comum, conforme se depreende do julgamento do RE n. 333.308—AgR, Relator o Ministro Maurício Corrêa, DJ de 2.8.02, assim ementado:
“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONTRATO PRIVADO DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM.
Obrigação oriunda de contrato privado de previdência complementar. Relação jurídica oriunda de contrato privado de previdência complementar. Relação jurídica que, embora de natureza previdenciária, se dá entre o beneficiário e a contratante.”
Dou provimento ao recurso extraordinário com fundamento no disposto no artigo 557, § 1º— A, do CPC, para declarar a competência da justiça comum.”
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO 599.694-8 (939)
PROCED. :BAHIA
RELATOR :MIN. EROS GRAU
RECTE.(S) : FUNDAÇÃO PETROBRÁS DE SEGURIDADE SOCIAL – PETROS
ADV.(A/S) :MARCUS FLÁVIO HORTA CALDEIRA E OUTRO (A/S)
RECDO.(A/S) : JOSÉ NELSON SILVA NETO
ADV.(A/S) :RUBENS MÁRIO DE MACÊDO FILHO E OUTRO (A/S)
DECISÃO: Discute-se no presente recurso extraordinário a competência para processar e julgar as ações referentes à complementação de pensão ou de proventos de aposentadoria paga por entidade de previdência privada.
2. O Tribunal a quo decidiu que a competência é da Justiça do Trabalho, vez que a relação decorre de contrato de trabalho.
3. A recorrente sustenta a competência da Justiça Comum. Alega a violação do disposto nos artigos 114 e 202, § 2º, da Constituição do Brasil.
4. Deixo de apreciar a existência da repercussão geral, vez que o art. 323, § 1º, do RISTF dispõe que “[t]al procedimento não terá lugar, quando o recurso versar questão cuja repercussão já houver sido reconhecida pelo Tribunal, ou quando impugnar decisão contrária a súmula ou a jurisprudência dominante, casos em que se presume a existência de repercussão geral”.
5. Assiste razão à recorrente. O Supremo Tribunal Federal fixou jurisprudência no sentido de que compete à Justiça Comum o julgamento das ações que envolvam complementação e aposentadoria paga por entidade de previdência privada, “por não decorrer essa complementação pretendida de contrato de trabalho” [RE n. 470.169-AgR, Relatora a Ministra Ellen Gracie, 2ª Turma, DJ de 5.5.06].
Dou provimento ao recurso com fundamento no disposto no artigo 557, § 1º-A, do CPC. Declaro invertidos os ônus da sucumbência, ressalvada a hipótese de assistência judiciária gratuita.
Publique-se.
Brasília, 1º de junho de 2009.
Ministro Eros Grau
– Relator
(2) “Trata-se de agravo regimental contra decisão que negou seguimento ao presente agravo de instrumento (fl. 192).
Alega o agravante, em suma, que a decisão merece ser reformada.
Decido.
Assiste razão ao agravante.
Assim, reconsidero a decisão de fl. 192 e passo a apreciar o agravo de instrumento.
O agravo merece acolhida. Ambas as turmas desta Corte entendem que compete à Justiça Comum o julgamento de pedido de complementação de aposentadoria dirigido contra entidade de previdência privada (RE 175.673/DF, Rel. Min. Moreira Alves; RE 467.622/RS, Rel. Min. Carlos Britto; RE 526.615—AgR/RS, Rel. Min. Cármen Lúcia; AI 441.426—AgR/RS, Rel. Min. Cezar Peluso; AI 556.099/MG, Rel. Min. Gilmar Mendes).
Nesse sentido, destaco trecho da decisão que proferi no CC 7.556/MG:
“(…) Percebe-se, assim, que, mesmo após as significativas alterações decorrentes das EC 20 e 45, o constituinte não outorgou à Justiça do Trabalho a competência para conhecer e julgar ações que discutam relações previdenciárias privadas, de natureza contratual, estabelecidas entre uma entidade fechada de previdência complementar e seus beneficiários. Ainda que assim não fosse, inexiste lei que remeta à Justiça do Trabalho a apreciação do tema.
Enfim, da leitura combinada dos arts. 144 e 202, § 2º, da Constituição Federal, forçoso é concluir que o plano de benefício previdenciário contratado pelo empregador não integra o contrato de trabalho, devendo as eventuais divergências em torno do fiel cumprimento das cláusulas nele pactuadas serem dirimidas pela Justiça Comum. Isso posto, conheço do presente conflito negativo de competência para declarar competente a Justiça Comum estadual, mantendo, assim, o acórdão do Tribunal Superior do Trabalho.(…)”.
Isso posto, dou provimento ao agravo de instrumento (art. 544, §§ 3º e 4º, do CPC) para conhecer e dar provimento ao recurso extraordinário para determinar a remessa dos autos à Justiça Comum.” – GRIFOS NOSSOS
“(3) 1. Trata-se de agravo contra decisão que inadmitiu recurso extraordinário interposto em face de acórdão que declarou a competência da Justiça do Trabalho para apreciar causa sobre complementação de aposentadoria em relação a entidades de previdência privada.
2. O acórdão recorrido divergiu do entendimento firmado por este Tribunal, segundo o qual compete à Justiça comum o julgamento das causas sobre complementação de aposentadoria em relação a entidades de previdência privada. Nesse sentido, o RE 526.615—AgR, rel. Min. Cármen Lúcia, 1ª Turma, DJE 31.01.2008, e o AI 615.715—AgR, rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, DJE 02.08.2007.
3. Ante o exposto, com fundamento no art. 544, § 4º, do CPC, conhecendo do agravo, dou provimento ao recurso extraordinário e fixo a competência da Justiça comum para o julgamento da causa.
Publique-se.”
* Artigo publicado, em maio/2013, na Revista Justiça & Cidadania, pp. 58 — 61; e no Jornal Trabalhista Consulex — JTb, Ano XXX — n.º 1479, de 27/05/2013, pp. 5 — 7 (in 30—1479/5). Autores: Renato Lôbo Guimarães, advogado e sócio-fundador do Caldeira, Lôbo e Ottoni Advogados Associados; e Danielle Ferreira Glielmo, sócia ddo Caldeira, Lôbo e Ottoni Advogados Associados